O vidro da janela estava frio. E uma brisa penetrante chacoalhava aquela frĂ¡gil estrutura. Do lado de fora, reuniam-se os corvos, grasnando e grasnando... a ponto de sorverem todo o ar ali ruidoso enquanto circunvi(zinhav)am a velha casa da fazenda; pousariam em seguida nos pinhos. Os galhos balançavam para trĂ¡s e para frente. Ana contemplava a Ă©gua castanha abrigada sob as Ă¡rvores. A quietude dela impelia a um calafrio estranho, impertinente, e Ana, cruzando os braços resoluta, foi sentar-se de novo perto do fogo. As brasas estalavam. Mansamente. E Ana as espetava, atiçando as chamas. De entĂ£o que, tirando do bolso um rosĂ¡rio, a mulher cantarolava baixinho o seu encanto, enquanto ia caindo no sono.
Ellen se acomodou no tapete surrado. A porta da sala de brinquedo abria-se em fendas. Ao fundo, tique-taques. Ela tĂ£o sĂ³ erguia os olhos e tentava reparar, atravĂ©s de uma meia abertura de porta, na avĂ³ que descansava o rosto naquela almofada de crochĂª. Agarrada a uma boneca, Ellen nĂ£o tirava os olhos dos pesados olhos da avĂ³ sobre aquela almofada, descansando, pois que a avĂ³ ali, com mĂ£os rezadeiras. As contas do rosĂ¡rio, em marrom e dourado, continuavam em seu colo. Diante daquela criatura maternal sibilando em vigĂlia, Ellen sentiu, num sĂºbito, palpitar amor sem-fim. As brasas chamuscavam. E brilhavam. Um jornal amassado sobre as nĂ³doas de carvĂ£o na lareira, e ela sentia crescer um amor sem mĂ¡cula, ao passo que ia apertando tanto mais a boneca, agarrando-se a ela, que... O dia reluzia, como se mĂ¡gico, glorioso, absorvendo tudo, inclusive Ellen. Era como se cada linha do tapete, cada forma ali tecida em mirĂades de tonalidades compusesse algo mais imenso ainda que a eternidade daquele momento, e dela mesma. Olhou, enfim, novamente para o relĂ³gio, cujo vidro espelhava seu rosto, e entĂ£o ela mesma se espelhava atravĂ©s do tempo.
(traduzido por Carol Piva)